Cientistas da UFPB pesquisam água contaminada por agrotóxicos na Paraíba

Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) avaliarão, durante os próximos três anos, os efeitos a longo prazo do consumo de água contaminada por agrotóxicos na Paraíba.

Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), gerenciado pelo Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para consumo Humano (Vigiagua) do Ministério da Saúde brasileiro, indicam que 12 agrotóxicos foram detectados em amostras de água potável de municípios paraibanos, coletadas entre 2014 e 2017.

As coletas foram realizadas nos municípios do Conde, Santa Rita, Itapororoca, Sapé e Sertãozinho, na Região geográfica intermediária de João Pessoa; Areia e Boqueirão, na Região geográfica intermediária de Campina grande; e Coremas, Juru e Sertãozinho, na Região geográfica intermediária de Patos.

Entre os agrotóxicos presentes em todas as amostras, estão os herbicidas ácido 2,4 diclorofenoxiacético e atrazina; e o inseticida clorpirifós. De acordo com o coordenador do projeto de pesquisa e professor do Departamento de Biologia Molecular da UFPB Davi Felipe Farias, esses três agrotóxicos podem provocar consequências adversas agudas e crônicas à saúde humana.

“Estudos com animais vertebrados evidenciam diferentes efeitos tóxicos após exposição a esses químicos. A atrazina já foi banida em vários países, uma vez que estudos têm mostrado que, mesmo em baixas concentrações, esta substância ocasiona implicações nocivas tais como disfunção endócrina, redução da capacidade reprodutiva e infertilidade, além de sequelas passadas de pais para filhos”, afirma o coordenador do estudo da UFPB.

Com relação ao ácido 2,4 diclorofenoxiacético, Davi Felipe Farias explica que já se tem muitas informações sobre os seus efeitos agudos, que incluem mortalidade, malformações, danos ao DNA e, especialmente, hepáticos.

Já o principal risco associado ao clorpirifós está relacionado ao seu potencial de danos ao sistema nervoso durante o desenvolvimento humano, que incluem casos de transtorno do espectro do autista (TEA), diminuição do Quociente de Inteligência (QI) e da compreensão verbal. Em adultos, a exposição ao clorpirifós é ligada ao aumento dos casos de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.

Davi Felipe Farias pontua que, apesar dos níveis desses agrotóxicos detectados em água potável de municípios paraibanos não serem superiores ao Valor Máximo Permitido (VMP) pela legislação Brasileira, o fato desse parâmetro ser baseado principalmente em estudos de toxicidade aguda cria uma lacuna no conhecimento sobre os efeitos crônicos [que duram de meses a anos] da exposição a essas substâncias, o que gera uma dúvida acerca da segurança dos VMPs estabelecidos.

O professor e pesquisador da UFPB também destaca que tão importante quanto conhecer os efeitos dessas substâncias isoladas é tentar compreender seus impactos em misturas, já que os contaminantes estão presentes na água como misturas complexas, podendo apresentar estabilidade e efeitos biológicos bastante distintos daqueles conhecidos na forma isolada.

Nos experimentos da pesquisa, será utilizado o animal de laboratório peixe-zebra (Danio rerio) a fim de verificar os efeitos tóxicos da exposição aos agrotóxicos, por meio de ensaios em diferentes estágios da vida do animal aquático: embrião, larva e adultos.

A maior parte do projeto será realizada na Unidade de Produção de Organismos Modelo Não Convencionais (UniPOM) e no Laboratório de Avaliação de Risco de Novas Tecnologias (LabRisco), ambos localizados no Departamento de Biologia Molecular do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) da UFPB, no Campus I, em João Pessoa.

Outra parte dos testes ocorrerá no Laboratório de Biologia do Desenvolvimento (Labid) e no Laboratório de Biomoléculas de Organismos Aquáticos (Bioaqua), no mesmo Centro de Ensino da UFPB. Também serão usados a infraestrutura do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular e alguns equipamentos de outros laboratórios do Departamento de Biologia Molecular da Universidade.

O projeto de pesquisa terá financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), na ordem de R$ 64 mil. O recurso será utilizado para aquisição de materiais e equipamentos necessários para a realização dos experimentos.

Na UFPB, também participarão do projeto de pesquisa os professores Luis Fernando dos Santos, Augusto de Freitas Júnior e Helane da Costa, a técnica de laboratório Juliana Souza, os mestrandos Thalia Andrade Silva, Jucelinelcia Sebastião e Leanderson da Silva Silvestre e outros estudantes de pós-graduação e de iniciação científica, além de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFCE) e da Universidade Federal de Jataí (UFJ).

“Acreditamos que os resultados obtidos após a realização do projeto trarão informações importantes que contribuirão para a manutenção ou estabelecimento de novos limites seguros da atrazina, do 2,4 diclorofenoxiacético e do clorpirifós na água destinada ao consumo humano”, conjectura Davi Felipe Farias.

Problema mundial

O coordenador do estudo da UFPB, o professor e pesquisador Davi Felipe Farias, conta que o problema dos agrotóxicos em água potável é mundial. Segundo o cientista, diversos países têm se mobilizado para amenizar essa situação, aplicando uma legislação mais rígida no que diz respeito à sua comercialização e aos níveis máximos permitidos na água.

“A União Europeia (UE) baniu atrazina dos seus territórios, por exemplo, que é um dos agrotóxicos que será estudado nesta nossa pesquisa. Nesses países, o limite máximo desse pesticida na água potável é de 0,1 ug/L, 20 vezes menor que o valor permitido pela legislação no Brasil: 2 ug/L. Os níveis permitidos de 2,4 diclorofenoxiacético e clorpirifós são de 0,1 ug/L, 300 vezes menores do que aqueles permitidos em território nacional, que são de 30 ug/L”, compara o coordenador da pesquisa da UFPB.

Davi Felipe Farias relata que alguns estudos identificaram esses agrotóxicos em ambientes aquáticos acima dos valores permitidos pela legislação em diferentes regiões do Brasil.

“Trazendo para o cenário local, esses três agrotóxicos têm sido regularmente encontrados em municípios paraibanos, fazendo-se urgente o conhecimento sobre os efeitos a longo prazo da ingestão desses químicos pela população”, alerta o pesquisador.

De acordo comcoordenador do estudo da UFPB, mesmo em nível mundial, são poucas as pesquisas que avaliam os efeitos a longo prazo da exposição a agrotóxicos, isolados ou em misturas.

“Acreditamos que nosso projeto seja uma das primeiras iniciativas desse tipo no Brasil. Os níveis desses químicos em ambientes aquáticos têm aumentado consideravelmente nos últimos anos. Por exemplo, há 50 anos, a atrazina era encontrada em reservatórios de água em valores 300 vezes menores que os que são registrados atualmente”, finaliza Davi Felipe Farias.

Texto: Pedro Paz e Aline Lins / Ascom UFPB
Imagem ilustrativa: Água foto criadPessoas foto criado por wirestock – br.freepik.com

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