Educação e pandemia | A universidade alcança os estudantes que vivem na zona rural da Paraíba?

A UEPB determinou que as atividades acadêmicas seguirão de forma remota durante quarentena.

Reportagem: Juliana Carneiro

No Sítio Tingui, zona rural, onde Josiele Quaresma vive, a conexão à internet só é possível via rádio. A cerca de 14 quilômetros do campus da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) na cidade de Monteiro, a estudante tenta acompanhar, de casa, as videoaulas on-line do curso de Letras – Português, do qual é aluna. A quarentena pela pandemia afastou a jovem de 21 anos, e seus colegas de turma, das atividades presenciais da faculdade. Para não ter o ano letivo prejudicado, ela e outros estudantes universitários que vivem no campo tentam se adaptar ao ensino não presencial, mesmo com importantes limitações de recursos.

Fonte: Agência IBGE Notícias

Assim como Monteiro, as cidades de Campina Grande, Cajazeiras e Patos, na Paraíba, possuem campi de diferentes Instituições de Ensino Superior (IES). As três últimas foram apontadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre as mais importantes centralidades do País para onde se deslocam os habitantes de outras localidades em busca de cursos superiores. A pesquisa, realizada em 2018, foi publicada na última quinta-feira, dia 25, e apresenta as Regiões de Influência das Cidades.

Não há dados precisos sobre a quantidade de alunos universitários advindos da zona rural. No entanto, o IBGE mostra que os estudantes que não residem nas mesmas cidades das IES paraibanas vivem em localidades até 60 quilômetros de distância, em média. Outra pesquisa do Instituto, divulgada em abril, aponta que na região nordeste o acesso à internet só alcança 44,2% da população do campo.

Essas estatísticas vão ao encontro de realidades como a de Josiele. Há três meses sem aulas presenciais, a estudante avalia que seu aprendizado está sendo comprometido com a continuidade das atividades a distância. Na falta de um computador, ela tenta acompanhar as aulas pelo celular, ler e compreender textos longos e complexos da disciplina Literatura Brasileira. As aulas síncronas (quando aluno e professor estão online no mesmo momento) são inviáveis através da internet a rádio de sua casa. O sinal oscila constantemente e não permite a transmissão de vídeos ao vivo.

“Muitas vezes o professor não sabe da dificuldade que você tem pra fazer aquela atividade. Não é a mesma coisa de você tá ali presencialmente, com o professor lhe ajudando, dizendo o que tá errado pra que você possa corrigir. Eu vejo como uma questão de só cumprir tabela mesmo (as aulas a distância).  No desenvolvimento e aprendizado, é totalmente diferente”, diz Josiele.

UEPB define calendário acadêmico

Desde março, quando as atividades presenciais foram suspensas, alguns professores mantiveram aulas através da internet, sob a tutela de uma instrução normativa da UEPB. Na última sexta-feira, dia 26, a universidade determinou novo calendário e regulamentou o retorno das atividades acadêmicas de forma remota. O assunto divide opiniões entre docentes e estudantes.

Rosane de Albuquerque, de 21 anos, vive no Sítio Almeida, município de Lagoa Seca, e cursa o 6º período de Geografia no campus I da UEPB, em Campina Grande. Ela avalia o andamento das disciplinas de forma remota como complexo, porém necessário, embora sua conexão à internet seja precária e não tenha acesso a livros físicos. A estudante acredita que a utilização de plataformas mais acessíveis, como YouTube e até WhatsApp, podem viabilizar o ensino para quem não tem boa infraestrutura.

“Os professores que estão querendo dar aula, a gente tá aceitando, porque sabe que não tem outra forma de passar por esse ano difícil. Ou tem as aulas remotas ou vai perder o ano inteiro. E ninguém quer perder um ano letivo inteiro”, diz Rosane.

A professora Raquel Porto, que atua há quatro anos na UEPB, consultou os alunos das duas disciplinas que ministra sobre as aulas remotas, ainda no início da quarentena, em março. Uma das turmas concordou, em sua totalidade, em continuar com as atividades a distância, e já se encontra em fase de conclusão da matéria. A docente explica que, com a nova resolução da universidade, os estudantes que não puderem cursar as disciplinas terão os prejuízos minimizados, uma vez que, justificado, o trancamento não constará em seu histórico curricular.

“Muitos não irão querer cursar a disciplina por opção, por razão psicológica ou por acreditar que o ensino remoto não seja o mais adequado. Outros não irão cursar por falta de infraestrutura, ou seja, equipamento e acesso à internet. Mas não dá pra esperar que o tempo passe sem desenvolver alguma ação proativa pra que a UEPB funcione nos 3 pilares: ensino, pesquisa e extensão”, avalia a professora do curso de Geografia, Raquel Porto.

A UEPB está realizando um levantamento sobre a disponibilidade de meios tecnológicos para realização das atividades remotas entre docentes e discentes, de acordo com a pró-reitora Estudantil, Núbia Nascimento. Para os estudantes que não têm condições materiais, o pró-reitor adjunto de Graduação, Altamir Souto, explica que a universidade está providenciando formas de auxílio. “Nos próximos dias, a Reitoria da UEPB estará colocando em ação essas políticas de inclusão”, explica Souto.

Não há informações sobre como ou quando será distribuído esse auxílio, como será viabilizado o acesso à internet em áreas remotas ou se será possível atender os estudantes que não têm computadores. Essas são algumas das questões que preocupam professores e alunos que não concordam com o prosseguimento das atividades de forma remota sem que haja garantia de inclusão.

A UEPB possui mais de 15 mil alunos matriculados na graduação, no entanto, menos da metade (7.596) respondeu à pesquisa que investigou se eles teriam acesso à internet para as aulas remotas. Dessa fração, 76,4% concordaram com as atividades pedagógicas não presenciais durante a pandemia. A consulta foi realizada, justamente, via internet.

O professor Marcelo Medeiros, do curso de Letras no campus de Monteiro, está responsável por 42 alunos, divididos em duas turmas. Por maioria, os estudantes decidiram não continuar com as atividades remotas desde março. A partir da nova resolução da universidade, a opção de não seguir acompanhando a disciplina deve ser individual, de cada aluno. O professor explica que isso permite a continuidade da disciplina mesmo que alguns alunos não possam acompanhá-la.

“Por mais que eu ache que esse não seja o caminho, deixar as pessoas para trás porque elas não podem prosseguir, como docente, eu me sinto obrigado a ministrar a disciplina. Aí eu vou ver o que eu posso fazer para os outros que não podem acompanhar não ficarem para trás”, diz Medeiros.

Jaqueline Lima, que curso o 5º período de Matemática no campus I da UEPB mora na zona rural de Lagoa Seca. Assim como o professor Marcelo, a discente elegeria a suspensão das atividades remotas nesse momento, mas seguirá com as aulas. “Eu tenho encontrado bastante dificuldade para aprender algumas coisas. Às vezes a gente tem dúvidas que uma vídeo-aula no YouTube não vai ser objetiva. Então, é complicado estudar online por conta disso. As vezes a internet não ajuda também, é uma série de coisas”, explica.

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