UEPB colabora com o reconhecimento de mestres das artes pela Lei Canhoto da Paraíba
Recentemente João Calixto, Biliu de Campina e Luizinho Calixto receberam o título de “Mestre das Artes Canhoto da Paraíba”. A concessão do título foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE). A iniciativa, contou com o apoio da Pró-Reitoria de Cultura (PROCULT) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que esteve envolvida durante todo o processo de concessão da honraria.
Foi através da curadora da área de Cordel do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP), a professora Joseilda Diniz, que dispõe de vasta experiência no que se refere aos editais culturais, que a Procult se fez presente nesse cenário. A docente, que há anos acompanha e registra a obra de Luizinho Calixto, tendo trabalhado com ele em outros editais, estendeu a iniciativa ao irmão de Luizinho, João, e também participou ativamente na apresentação do projeto de Biliu.
Ela sempre salienta, contudo, a numerosa equipe que se debruçou na escritura e reunião do enorme material desses artistas, bem como a articulação de tantas pessoas e entidades para que a iniciativa fosse coroada pelo êxito. Entre elas, a professora cita a Associação Cultural Balaio Nordeste, tendo à frente Joana Alves, a fundação Casa de Jose Américo (que tem como presidente, Fernando Moura), Adriano Galdino, Ricardo Barbosa, Noaldo Ribeiro, Xico Nóbrega, Filipe Sousa Pereira, Eduardo Andriola Xavier de Souza, Tiago Calixto e a Assessoria Helder e Moraes.
O título relacionado à Lei Canhoto da Paraíba tem como objetivo proteger e valorizar os conhecimentos, fazeres e expressões das culturas tradicionais do Estado. A homenagem é concedida a pessoas que contribuam há mais de 20 anos nas áreas de dança, música, folguedos, artes visuais ou que por tradição oral receberam e repassaram saberes culturais para as novas gerações, através do Registro no Livro de Mestre das Artes (Rema).
Sendo assim, aos reconhecidos é atribuído o título e eles passam a receber dois salários mínimos mensais. Em contrapartida, podem ser convidados a realizar apresentações e atividades educativas em eventos estaduais de promoção à arte.
Os requisitos para a concessão do título
A professora Joseilda lembra que não é necessário estar muito por dentro dessa área de incentivo à cultura (seja no que trata do fomento de órgãos públicos, seja da iniciativa privada), para entender que é um desafio para qualquer artista conseguir ser contemplado com algum tipo de apoio.
A burocracia costuma ser grande; há um número de etapas a ser percorrido e algumas levam muito tempo; é preciso compreender aspectos bastante específicos; normalmente isso abrange a escrita de várias laudas (sem contar a pesquisa intensa) e, às vezes, o processo requer até mesmo assessoria contábil e jurídica. E, como bem pontua a docente, uma grande parcela dos artistas fica de fora por sequer saber que pode concorrer a um desses projetos.
Após a concessão do título, para a professora, a lição que fica é a de que vale a pena fomentar núcleos de trabalho, a partir de uma consultoria especializada, para atuar nesse suporte tão essencial aos trabalhadores da arte. “Seria ótimo se pudéssemos avaliar a pertinência de termos algo como uma coordenação de assessoria artístico-cultural, para que a Universidade dispusesse desse viés de estimular a cultura de um modo mais amplo e com mais alcance. A ideia seria não somente incentivar a performance, mas também ajudar o artista a acessar às políticas públicas do Estado, do município e do Governo Federal”, enfatiza Joseilda.
A professora acrescentou que, em geral, essa é uma atividade que se faz anonimamente, nos bastidores, construindo junto com os artistas essa trajetória deles, sistematizada para este fim. Ela destacou que são muitas mãos unidas nesse trabalho de garimpo, de pinçar as informações, fazendo um mosaico até compor o que é realmente imprescindível.
“A Lei Canhoto da Paraíba é uma política pública maravilhosa, pois permite aos artistas uma certa serenidade, pois eles têm a certeza que, independentemente de estarem vivenciando alguma situação adversa, terão um suporte assegurado pelo Estado, para que continuem escrevendo, compondo, trazendo a sua criatividade para a sociedade. Meu coração transborda de alegria e de gratidão aos que colaboraram para que esses artistas tenham seu merecido reconhecimento”, endossou.
Mais sobre os artistas contemplados
João Calixto: quando a simplicidade é a marca do gênio
Zabumbeiro e tocador de sanfona de 8 Baixos, João Tavares Calisto, conhecido artisticamente como João Calixto, nasceu em Campina Grande, em 1950. Músico, compositor e instrumentista ele é oriundo da célebre família artística fundada pelo patriarca João de Deus Calixto, conhecido artisticamente como Seu Dideus (1913-1990), um tocador de oito baixos das antigas, responsável pela formação de grandes instrumentistas na Paraíba.
João Calixto trabalhou como músico com o pai, até a década de 1968, quando migrou para o Rio de Janeiro aos 18 anos, em busca do irmão Zé Calixto que já vivia profissionalmente da música. Inicialmente acompanhava, na zabumba, o fole de oito baixos do irmão famoso, depois tocou com Os Três do Nordeste, Trio Nordestino, Dominguinhos e outros artistas. Trabalhou, inclusive, com o maestro Chiquinho do Acordeom (arranjador de discos de grandes artistas nordestinos, a exemplo de Luiz Gonzaga), Marinês e Jackson do Pandeiro.
Depois de 10 anos atuando como músico profissional no Rio de Janeiro, João Calixto retornou para Campina Grande, no final dos anos 1970, quando deixou de tocar definitivamente o zabumba para se dedicar exclusivamente à sanfona de oito baixos, cumprindo um pedido do seu pai. Segue o conselho de Seu Dideus até os dias de hoje.
Continua em plena atividade artística, tocando sanfona nos eventos culturais da Sociedade de Amigos do Bairro (SAB) e Clube de Mães, ambos no bairro do Quarenta, em Campina, desenvolvendo atividades em torno das matrizes do Forró. Participou ativamente das três edições do Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Fole de Oito Baixos, promovido pela Procult, além do “Forró da Resistência”, entre outros eventos artístico-culturais da Instituição.
João Calixto é conhecido, sobretudo, por continuar promovendo suas práticas culturais com os sanfoneiros locais, muitas vezes, anônimos ou esquecidos do grande público. Toca até hoje com o sanfoneiro Antônio de Dona Guia, no Sítio Manguape, cuja amizade e estreita convivência têm possibilitado a salvaguarda da habilidade artística daquele longevo folista.
Biliu de Campina: porque o rap é o coco mal cantado
Nada se parece mais com Campina do que Biliu. E nada é mais São João, na Rainha da Borborema, do que este artista de gênio e irreverência brilhante. Estar com Biliu de Campina é não saber se é melhor escutá-lo cantando ou falando, porque, assim como são os grandes filósofos, ele é uma máquina de citações. Muitas completamente hilárias (e todas espirituosas).
Mas sempre há as favoritas. Uma delas diz respeito à passagem de Gabriel, O Pensador, por Campina, em 2017. Antes de subir ao palco do evento “Rap e Repente”, Gabriel foi à casa de Biliu. Queria compreender a estrutura do coco e suas similitudes com o rap. A conversa foi longa, mas Biliu fez uso do seu já conhecido poder de síntese: “Há semelhanças, sim, porém o rap é o coco mal cantado”. A risada foi geral, incluindo a do próprio Gabriel, é claro.
Biliu de Campina, nasceu no sítio Paus Brancos, em 1949. De família de músicos e um irmão luthier (o Lanka), logo foi fisgado pelos sons, bem antes de aprender a tocar pandeiro. Da sua infância pouco se conhece, mas supõe-se que foi “um capeta em forma de guri”.
Biliu especializou-se em mecânica, mas enxergava na profissão muito mais que consertar carburadores ou caixas de marcha de fusca. De forma autodidata, enveredou pelas artes plásticas, transformando velhas peças de carro em pequenas esculturas.
Entendia, também, que a oficina não era, apenas, um espaço de conserto de automóveis. Quando o lanterneiro desamassava um para-choque qualquer, centrava suas atenções nas pancadas do martelo, malhando no ferro quente. Observava, então, a cadência rítmica de suas batidas. Dalí, certamente sairia música – pensava ele – e aquela usina de automotores era um verdadeiro conservatório de música popular.
Aliás, essas comparações, aparentemente malucas, são uma constante na cabeça imaginativa de Biliu. A propósito disso, relacionando o aboio com o canto gregoriano, ele não salienta a semelhança apenas na força do cantar, mas na própria vestimenta dos signatários do Papa Gregório com o gibão do aboiador.
Seu ingresso no mundo musical passou pelos bares e as chamadas “casas de recursos”, tendo ganhado uma boa recepção já no começo. No repertório, muito mais que xote, xaxado, forró e baião, tinha até samba de breque, de Moreira e Bezerra da Silva. Contudo, a referência maior era sempre Jackson do Pandeiro. De fato, é Biliu um dos maiores divulgadores do Rei de todos os ritmos nascido em Alagoa Grande (PB).
A visibilidade conquistada lhe valeu convites para fazer jingles para inúmeras empresas, campanhas institucionais além de ter o seu próprio programa radiofônico (intitulado Forroleroá). Entretanto, precisava sair da cidade natal e desbravar novas terras. Sem preconceitos, não hesitou em aceitar o convite do Abril Pró Rock – importante festival de música pop, realizado no Recife (PE). A partir de então, já em plena era do disco\CD gravou vários e a carreira só ascendeu: esteve em inúmeros eventos nacionais e internacionais e sem título formal tornou-se mestre não apenas pelo seu trabalho musical, mas pelo conhecimento que detém, principalmente na área de “Forrobodologia”, como ele mesmo diz.
Luizinho Calixto: um legado a serviço dos oito baixos
Luiz Gonzaga Tavares Calisto, conhecido artisticamente como Luizinho Calixto, nasceu em 21 de junho de 1956, em Campina. Ainda muito jovem ganhou de Zé Calixto, irmão mais velho, a primeira sanfona, com a qual se apresentou no programa de rádio “Forró de Zé Lagoa”.
Desde menino, Luizinho conviveu com grandes ícones da historiografia musical brasileira através de seu pai e, posteriormente, seu irmão, Zé Calixto. Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, compadre de Zé Calixto e amigo da família estimulou-o a seguir os passos na Sanfona de Oito Baixos e no Acordeom. Podemos dizer que a carreira e trajetória artística de Luiz Gonzaga motivou a trajetória de Luizinho Calixto, enquanto artista e instrumentista, despertando nele, o rigor, a disciplina do ofício e a paixão pela música.
O artista vive há pelo menos 40 anos da profissão de Tocador de Oito Baixos. Sua formação musical começou na infância, de modo autodidata. Muito cedo veio a profissionalização e as crescentes demandas para cair na estrada como músico e instrumentista, o que possibilitou a Luizinho Calixto construir uma carreira discográfica própria e significativa. Teve participação, como instrumentista, em gravações de artistas renomados a exemplo de Dominguinhos, Chico César, Evaldo Gouveia e Fagner. Somam-se, ao seu currículo, parcerias com Jackson do Pandeiro, Sivuca, Elino Julião, Genival Lacerda e Alcymar Monteiro. Participou de shows de Luiz Gonzaga, Belchior, Marinês, Nara Leão, entre outros.
Mostrou sua arte em várias cidades da Europa: Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Suíça, entre outros. Tocou em grandes festivais em Buenos Aires e Córdoba, na Argentina, e em Cabo Verde, na África.
A prática cultural de Luizinho Calixto vem deste somatório de experimentações, parcerias, influências e diálogos no seu entorno familiar, afetivo e profissional. O artista tem a consciência da responsabilidade de manter o legado deixado pelo seu pai, que contribuiu significantemente para a formação de muitas gerações de sanfoneiros de oito baixos, tanto na Paraíba como no Brasil.
No âmbito de suas colaborações com a UEPB/PROCULT, integrou o projeto Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Fole de Oito Baixos, desde a idealização até a execução. Também é professor do Centro Artístico Cultural da UEPB, no Curso de Sanfona de Oito Baixos, democratizando o acesso ao instrumento para um número crescente de admiradores do gênero.
Texto: Oziella Inocêncio, com informações de Xico Nóbrega, Noaldo Ribeiro e Joseilda Diniz – Ascom UEPB
Fotos: Divulgação